domingo, 18 de fevereiro de 2018

O mistério do Bom Jesus de Matosinhos de Lavras

A historiadora portuguesa Isabel Lago, autora do livro "Uma Rota de Fé - a Devoção ao Bom Jesus do Matosinhos no Brasil" entrou em contato conosco recentemente sobre um mistério relativo à devoção do Bom Jesus de Matosinhos de Lavras.

Em verdade, há muito a pesquisadora havia contatado a prefeitura municipal de Lavras procurando por informações. O trecho de seu livro que narra esta pesquisa é o seguinte.


Uma Imagem do Bom Jesus de Matozinhos em Lavras

"Onde há provisão registada na “Instituição das Igrejas do Bispado de Mariana”, de 1768, para uma capela do Bom Jesus que não existe, mas de que há uma imagem dele num Museu

Cerqueira Falcão, na sua obra sobre o santuário de Congonhas, cita uma lista de igrejas do Bom Jesus de Matozinhos, que o Cónego Raimundo Trindade  apresenta no seu livro Instituição de Igrejas no Bispado de Mariana, como tendo recebido autorização eclesiástica para serem fundadas. Entre elas está uma capela, em Lavras do Funil, que teria recebido provisão em 23 de Agosto de 1768.

A antiga vila de Lavras de Funil está na origem da actual cidade de Lavras, no Sul de Minas Gerais. Desde o primeiro momento da pesquisa foi impossível localizar a igreja através da Internet pois nenhum sítio local a referia. Fiz várias tentativas de contacto com pessoas  cujos endereços de correio electrónico me apareciam em páginas de Lavras e todos quantos me responderam concordavam em que a igreja não existia. Porém, um deles, o Dr. Jardel da Costa Pereira, professor de História, referiu-me a existência de uma imagem do Bom Jesus de Matozinhos numa igreja local transformada em Museu–Sacro: a Igreja do Rosário. 

IGREJA MUSEU DO ROSÁRIO

Munida desta informação, pus a questão, por fax, ao Prefeito Municipal de Lavras, Dr. Carlos Alberto Pereira, que, após consulta à Superintendência da Cultura da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto, amavelmente me enviou a resposta desta departamento que dizia o seguinte:

Em atendimento à solicitação de V. Sª., estou encaminhando os dados referentes à história do nosso Município e à igreja do Rosário.

Com relação à imagem citada na correspondência da historiadora Isabel Lago Barbosa, a informação que obtive é de que a nossa imagem do Senhor Bom Jesus da Cana Verde é também a do Bom Jesus de Matozinhos; quanto à capela dedicada ao seu culto não obtive qualquer informação que comprovasse tal culto em nossa cidade (...).   

Atenciosamente

                                Homero Carvalho Faria

Assim, embora não havendo igreja havia pelo menos uma imagem que, juntamente com a autorização eclesiástica para a fundação da capela, sugeria a existência de uma devoção ao Bom Jesus de Matozinhos na antiga Lavras do Funil, muito tempo antes deste arraial se ter tornado cidade e cuja lembrança se terá perdido no tempo.

Outra grande dificuldade foi obter uma fotografia da imagem. Como qualquer outra peça de museu deverá estar proibida a sua reprodução. Tendo solicitado um exemplar à direcção do Museu, nunca obtive reposta. A sorte, porém, fez-me encontrar na Net uma pessoa com um espírito de solidariedade profundo, a S. Dra. Márcia Bento Rosa da Silva, bibliotecária da Universidade Federal de Lavras, que, através de contactos pessoais, conseguiu uma foto que me enviou. Contudo, para meu espanto, tratava-se de um Cristo da Cana Verde, representação que não coincide com a do Bom Jesus de Matosinhos que é a de um crucificado. Mas  pensando tratar-se de uma uso local, assim a publiquei no meu livro. Mas não fiquei convencida e passei os últimos 10 anos a procurar a imagem certa.

É difícil explicar porque há provisão eclesiástica e imagem e não há igreja ou capela. Poder-se-ão colocar algumas hipóteses. A primeira é de que a provisão eclesiástica dissesse respeito não a um templo, mas sim a um altar numa igreja que poderia ser exactamente a Igreja do Rosário visto que ela era a Matriz de Lavras de Funil, em 1768. A segunda, é de que a provisão se referisse efectivamente a uma capela, para a qual se tivesse encomendado a Imagem, mas que não se tivesse chegado a construir, tendo a Imagem sido guardada na Matriz. A terceira poderá ter a ver com uma possível demolição da capela, facto frequente em Minas Gerais. Só uma pesquisa mais profunda e feita no local poderia revelar o que realmente se passou

Ao longo destes anos persisti na solução do problema. Por isso tomei conhecimento que a Igreja Museu sofreu obras de restauro e que estava aberta ao público. E numa das vezes que ataquei a pesquisa fui surpreendida por um altar com um Bom Jesus com as características dos nosso. Pedi para lá uma foto mas não obtive resposta. Contudo não desisti e através da minha corrente de amigos mineiros e da minha teimosia  chegaram-me finalmente duas belíssimas imagens tiradas pelo Marcos Barbosa a quem aqui deixo expressos os meus agradecimentos muito especiais.

Não posso garantir com total segurança que esta imagem tenha sido venerada em alguma igreja do Bom Jesus de Matosinhos porque se desconhece a sua origem e o modo como aqui ali foi parar. À volta de Lavras existem igrejas da devoção do Bom Jesus de Matosinhos e sabe-se que existiram mais em paróquias próximas que foram sendo desmembradas. A minha certeza que este Cristo poderá ser um dos nossos Bons Jesus baseia-se nas características da Imagem: Pés pregados cada um com seu cravo, braços abertos e um olho voltado para o céu e outro para a terra como acontece com todas as imagens desta devoção. 

Tudo aponta para que se trate de um exemplar do séc.XIX.

:=:=:

Meu palpite sobre a provisão de 1768 é que esta esteja relacionada às terras de Perdões que estavam sendo desbravadas àqueles tempos por Romão Fagundes e outros. Talvez possa ser mesmo a igreja matriz do Senhor Bom Jesus dos Perdões atualmente existente, cuja provisão data de 1770.

Vale ressaltar ainda as elogiosas palavras que a autora citou sobre a imagem do Senhor Bom Jesus que integra a igreja de Nossa Senhora do Rosário.

"Para mim esse belíssimo Cristo que vocês aí têm e que é das mais belas imagens dele no Brasil, se não a mais bela, num altar fabuloso, vai passar a fazer parte da minha lista de Bom Jesus de Matosinhos no Brasil (até prova em contrário que julgo não irá aparecer)".

Considerando a profundidade que a historiadora tem em relação à devoção de Bom Jesus de Matosinhos, os lavrenses podem muito se orgulhar deste patrimônio nosso! 

Um comentário:

  1. Obrigada pela atenção, Geovani. Espero que os seus leitores tenham percebido que por detrás da história deste Cristo há uma persistente história de nós os dois para a situar na lista dos Bons Jesus de Bouças ou Matosinhos. Obrigrada pela sua ajuda pronta. Um abraço de Matosinhos para Lavras. Isabel Lago

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