sábado, 28 de fevereiro de 2015

O Entrudo: o Carnaval Lavrense (1896)

Como era o carnaval de Lavras, exatos 116 anos atrás? Vejamos o que diz o jornal "Cidade de Lavras", n. 106, de 23 de fevereiro de 1896:

Os folguedos carnavalescos, este anno, transformaram-se em folguedos aquaticos.

Apenas uma meia dizia de mascaras deram o ar de sua graça no ultimo dia de carnaval.

O jogo do entrudo, porem, reinou desenfreado, epileptico, omnipotente: a agua foi elevada á altura de um principio. No domingo ainda se permittia a um ente transitar impune nas ruas da cidade, munido de grande precaução; mas na segunda-feira já não havia meu pé me dóe: -- quem puzésse o bico alem da porta da rua tomava sopa pela certa. De tarde houve renhidos attaques a laranjinhas em algumas casas e resistencias energicas e destemidas, defezas inesperadas, formando terriveis tiroteios. Emquanto bisnagas chupetavam o ar, as balas cruzavam se rapidas, vertiginosas, ameaçadoras, da rua para as casas, das casas para a rua, contra os magotes assaltantes, e offuscavam a vista pela multiplicidade das côres -- vermelhas, amarellas, brancas, rôxas -- e faziam arfar os narizes chupando o aroma que impregnava a atmosphera -- accentuando-se ora o perfume da white rose, ora o Jacky, ora a Ixora, muitas vezes a agua florida e não raro o cheiro gorduroso da agua de lavar pratos ou da agua de barrela.

Mas o delirio chegou ao cummulo no ultimo dia do entrudo. Os combatentes a laranjinhas perfumadas e coloridas e limões de borracha delicada e macia cediam á tarde o logar ao reino puro e simples da agua dos baldes.

Já não havia um limão em parte alguma, já as moças atravessavam as ruas correndo ensopadas, com os cabellos escorridos, os vestidos agarrados, despejando agua como se fossem chafarizes ambulantes, já não eram jarros e tinas, eram bacias de semicupios, eram barris de cosinha que andavam triumphantes, vomitando catadupas de agua fria sobre a humanidade. Era já o delirio de chuva, era a orgia da agua, era a consolidação definitiva e a suprema apotheóse do padre Kneipp! E assim foi que terminou, depois de arrazados e reduzidos a açudes os pontos fortificados a agua, esse terrivel combate, que aturou trez dias e tres noites, como tantas batalhas celebres, tendo entre mortos e feridos escapando todos; foi assim que se pôz ponto final ao entrudo mais desencabestado que esta cidade tem visto desde que o rato róe, digno de ser cantado em versos ensossos pelo escrivão-padeiro, o eximio O. Avellar, o maior bardo americano, o insigne cantador da Sr.ª D. Maria Camacho, a não menos insigne parteiro que lhe cortou o umbiguinho na tenebrosa noite do seu nascimento.

Agora chegou o tempo de vós todos, moços e moças que vos entregastes á intemperança da agua e puzestes em pratica um systhema novo de baptismo, debaterdes no peito, contrictos e devotos, um profundo paenitet me.

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