domingo, 28 de setembro de 2014

Embarcações antigas em Ribeirão Vermelho

Fonte: Folha

A forte seca que castiga o sul de Minas Gerais revelou um capítulo da história escondido durante décadas debaixo de uma lâmina de água.

Até o fim dos anos 1940, a pequena cidade de Ribeirão Vermelho (a 223 km de Belo Horizonte) registrava intenso movimento de embarcações.

Dezenas de navios rumavam pelo rio Grande carregados de cereais numa linha comercial de 208 km que ligava o município à cidade vizinha de Capetinga.
Na época, a alimentação, a comunicação e até encontros românticos dependiam dos navios a carvão.



Toda essa história, porém, morreu literalmente na praia quando o transporte ferroviário ganhou força na região.

Agora, sob uma extensa faixa de areia formada pelo recuo da água na margem direita do rio Grande, o passado ressurgiu.

E foi por mero acaso, conta o eletricista Thiago da Sé, 30. Ele caminhava pela praia do rio atingido agora pela seca quando tropeçou em uma barra de ferro.

"Eu cresci ouvindo do meu pai que tinha navio aqui. Por brincadeira, chamei um primo e começamos a escavar até achar as partes dele."

Ali, além do navio que data do século 19, restos de outras duas chatas, barcaças que prestavam apoio logístico aos vapores mineiros, também foram localizadas.

A queda acentuada do nível da água pôs à mostra outra surpresa irônica: uma ponte de ferro que caiu justamente durante uma cheia em 1992 e que desde então estava submersa.

Os trilhos originais que interligavam as locomotivas do parque ferroviário da cidade aos navios que ancoravam no rio também reapareceram.

Até uma âncora de ferro foi resgatada com facilidade.

MUSEU A CÉU ABERTO

Desde o anúncio dos achados, no início deste mês, Ribeirão Vermelho, que tem 4.008 habitantes, vem recebendo cada vez mais turistas, segundo a prefeitura.

Todos querem conferir de perto a praia que ganhou status de museu a céu aberto.

A notícia emocionou uma dupla de octogenários.

No passado, os aposentados Izidoro de Almeida, 89, e Nelson Moreira, 89, moveram os vapores rio Grande abaixo. "Eu era marinheiro. Levávamos até três dias para chegar a Capetinga. O rio era a única via porque a estrada era precária", conta Almeida.

"É muito bonito rever o que vivemos, mas é triste encontrar o navio assim, abandonado", completa.

O servidor aposentado Dilvo Costa, 76, é conhecido pelos ribeirenses por ter operado uma revolução. Em outra seca do rio, em 1998, ele comandou uma "operação de guerra" que tirou do barranco a primeira chata -de 20 metros de comprimento.

"Aqui debaixo desse pé de ingá onde estamos tem outra. Mas nem a primeira que eu tirei do rio está sendo cuidada", lamenta, referindo-se ao imenso vaso de plantas em que ela se transformou.

SEM DINHEIRO

O cenário é desanimador até para o conjunto das novas peças. Elas continuam expostas sem nenhum cuidado por parte da prefeitura.

"A cidade não tem dinheiro para reformar isso. Aquilo é um monte de chapa de ferro corroída", diz o prefeito Célio Carvalho (PDT). "Não temos indústria nem um comércio forte. O município sobrevive de repasses do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]", complementa.

Mas, no rastro de Dilvo, um maquinista promete outra revolução. Junio Monteiro, 30, sonha em expor os restos das embarcações ao lado da locomotiva, na entrada da cidade. "Vamos criar uma associação para preservar esse patrimônio", afirma.

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