segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Os Bondes de Lavras (por Allen Morrison)

Tradução de Geovani Németh-Torres. Original em: http://www.tramz.com/br/lv/lv.html.

Especialistas em transporte há muito admiravam o bonde elétrico como um dos melhores veículos já inventados: agradável aos passageiros, não-poluente, com ar-condicionado natural, de rápido embarque e fácil de pilotar. O Brasil teve mais bondes abertos que em qualquer outro lugar e nenhuma cidade exibiu melhor suas virtudes que Lavras.


Tal como muitas cidades em Minas Gerais, Lavras, localizada a 230 km ao sudoeste de Belo Horizonte, atraiu garimpeiros durante a corrida do ouro que ocorreu no Brasil no início do Século XVIII. Tornou-se um pólo agrícola no Século XIX e prosperou pela junção de duas ferrovias: a Rede de Viação Sul Mineira -- que se dirigia ao sudoeste de Lavras a São Paulo --, e a Estrada de Ferro Oeste de Minas, que conectava Angra dos Reis (RJ) a Belo Horizonte. Hoje é uma cidade universitária cheia de jovens e, entre outras coisas, clama ter a mais alta taxa de alfabetização do Estado. A população era de 25 mil habitantes em 1910 e hoje é de cerca de 100 mil.

A cidade fica no cume de uma subida inclinada para o sul, a partir do vale onde está a estação ferroviária [mapa].



Para levar seus passageiros através da longa subida para a cidade, a EFOM construiu uma linha de bonde elétrico em 1910 e adquiriu dois carros de 11 bancadas de 2 eixos da Waggonfabrik Falkenried, de Hamburgo, Alemanha. Esta fotografia mostra um deles na fábrica Falkenried antes de ser enviado para o Brasil [Siemens-Museum, München]:



("Offener Straßenbahnwagen" = carro ferroviário aberto de rua. Em 1910 Falkenried também construiu bondes elétricos para Natal e Vitória, Brasil). Em sua chegada em Lavras, o povo local empurrou os carros para o trilho [Museu de Lavras]:



O bonde elétrico de Lavras foi inaugurado em 21 de outubro 1911. Uma elaborada estação feita de granito para o embarque no bonde foi construída na Praça Barão de Lavras, no centro da cidade [ver mapa], e Lavras se tornou conhecida em toda Minas Gerais como a "cidade do bonde". O transporte tinha bitola métrica, rota de 3 km de extensão e os carros, numerados de 1 e 2, tinham a frente ao estilo da Siemens:



Abaixo, close da cena anterior. Note as iniciais "EFOM" na frente do bonde. Na foto, uma criança correu muito rápido para a baixa velocidade da lente da câmera [col AM]:



Outra imagem antiga da "ESTAÇÃO DE BONDES " na Praça Barão de Lavras [col. Ricardo Resende Coimbra]:



O final da linha norte, em frente à estação de trem. Vista para o sul. O retorno do bonde na praça não havia sido construído ainda. Essa parte da cidade não estava urbanizada quando o bonde surgiu, embora, graças a ele, essa colina foi povoada rapidamente [col. Ricardo Resende Coimbra]:



Av. Pedro Salles, o mesmo local alguns anos depois. O fotógrafo estava provavelmente no telhado da estação de trem. O ribeirão Vermelho corre sob uma pequena ponte na parte baixa do vale (marcada pelas árvores). O grande prédio com jardim murado à esquerda era a casa do engenheiro-chefe da EFOM [col. Ricardo Resende Coimbra]:



A próxima foto mostra um carro no novo retorno do bonde perto da estação de trem. A casa com jardim murado na imagem anterior esta à direita aqui. Ao invés de "EFOM", esse bonde está marcado com "Oeste". Talvez o(s) passageiro(s) que perdeu o bonde irá pegar este táxi [col. AM]:



A estação de trem. Os bondes aparentemente sempre circulavam o retorno no sentido horário [col. Ricardo Resende Coimbra]:



Vindo do sul, subindo a colina, em direção à cidade [col. Museu de Lavras]:



Em Janeiro de 1931 a RVSM e a EFOM se uniram na Rede Mineira de Viação (que posteriormente se tornou a Viação Férrea Centro Oeste) e a "EFOM" na frente dos carros se tornou "RMV". A foto abaixo mostra a Rua Francisco Salles [col. Jornal de Lavras]:



Sete meses depois, em Agosto de 1931, o bonde foi transferido da ferrovia para a Prefeitura Municipal de Lavras. Todavia, fotografias indicam que o símbolo da "RMV" permaneceu nos veículos por muitos anos [col. Jornal de Lavras]:



Os bondes não apenas forneciam transporte. Eles eram também um divertimento e local de encontro para muitos habitantes da cidade. O carro na foto abaixo vem do sul pelo lado oeste da Praça Dr. Augusto Silva [col. Jornal de Lavras]:



Esse carro esta descendo a Rua Sant'Ana. Seria este o motorneiro? [col. Jornal de Lavras]:



A cidade demoliu a estação de espera na Praça Barão de Lavras por volta de 1940. O bonde na fotografia mostra as iniciais "PML" de seu proprietário e operador, a Prefeitura Municipal de Lavras [col. Museu de Lavras]:



Estes escolares se mostram relutantes em deixar seu divertido transporte. Note o destino "CRUZEIRO" na placa [col. Museu de Lavras]:



A maioria destas fotos não tem data. Este automóvel aparenta ser dos anos 1940. O local é a Praça Dr. Augusto Silva, o centro de Lavras [col. Museu de Lavras]:



Esta é a propaganda do "Salão Elite", barbearia localizada "em fremte à est. de bonds" [col. AM]:



As roupas e cortes de cabelo sugerem que a imagem abaixo é da década de 1950 [col. Jornal de Lavras]:



Esse descarrilhamento na Avenida Pedro Salles era "coisa de garoto" [col. Museu de Lavras]:



Quando os bondes de Belo Horizonte foram fechados em Junho de 1963, o prefeito de lá, Jorge Carone Filho, doou dois bondes de dez bancos para Lavras e seu prefeito, Maurício Ornelas Souza. Os bondes 55 e 69 foram construídos nos anos 1930 pela própria companhia de bondes de Belo Horizonte ou pela Trajano de Medeiros no Rio de Janeiro [Prefeitura de Lavras]:



A Prefeitura Municipal de Lavras substituiu os dois velhos bondes alemães pelos "novos" bondes brasileiros -- renumerados 3 e 4 e pintados de azul -- em 20 de Julho de 1963, o 95.º aniversário da elevação da cidade. A foto abaixo mostra a inauguração festiva naquela data [Prefeitura de Lavras]:



A Praça Dr. Augusto Silva [col. Ricardo Resende Coimbra]:



Tempos felizes retornaram à cidade [col. Jornal de Lavras]:



Close da foto anterior [col. Jornal de Lavras]:



A vista norte da descida da Avenida Pedro Salles em direção à estação ferroviária. Note a inclinação extreme do trajeto -- uma das rasões da cidade necessitar dos bondes [col. Ricardo Resende Coimbra]:



A figura abaixo de um bonde ex-belo-horizontino em Lavras [feita a partir de uma gravura colorida] foi tirada pelo americano entusiasta de trens Donald Nevin, durante sua visita em 1965 [Donald Nevin]:



Outra imagem feita pelo visitante em 1965 [Donald Nevin]:



Andar num bonde aberto em Lavras era tradição desde 1911. Subir a Rua Francisco Salles num quente e poluidor ônibus não é a mesma coisa [Donald Nevin]:



A rota do bonde foi encurtada nos últimos anos em algumas quadras: ao invés da Rua João Modesto, os bondes terminavam na Praça dos Trabalhadores. A foto abaixo foi tirada da janela do bonde em sua nova parada. A vista é do norte, descendo a Rua Francisco Salles [Donald Nevin]:



O bonde 4 dentro de seu abrigo na Rua Álvaro Botelho [Donald Nevin]:



De acordo com uma carta do Museu de Lavras datada de 15 de Maio de 1980, o uso dos antigos bondes de Belo Horizonte "não foi aprovado na Câmara de Lavras" e os carros 3 e 4 retornaram a Belo Horizonte em 1965. Os bondes alemães originais 1 e 2 retornaram ao serviço até finalmente serem fechados em 8 de Novembro de 1967. A foto abaixo é dita ser da última viagem, naquela data [col. Prefeitura de Lavras]:



Após o serviço de bondes terminar e os fios elétricos serem removidos, um dos bondes Falkenried foi restaurado e colocado em exposição em frente à estação de trem. Lá ele ficou até o centenário da cidade, celebrado em Julho de 1968. Seu paradeiro atual é desconhecido [col. Museu de Lavras]:



Um texto de jornal anônimo da década de 1970 [col. Museu de Lavras]:


Foi provavelmente Bi Moreira (Sílvio do Amaral Moreira) que tirou algumas das fotos aqui mostradas. Este pôster promoveu uma exposição em 1981 [col. Museu de Lavras]:



O Museu de Lavras foi rebatizado Museu Bi Moreira em 1983. A foto abaixo mostra um dos poucos traços remanescentes do bonde: este poste na Rua Sant'Ana, na esquina da Rua Desembargador Alberto Luz, duas quadras ao norte da Praça Barão de Lavras [see map] [Ricardo Resende Coimbra] (* Há outros dois postes do bonde, um na Praça Dr. Augusto Silva, no ponto de táxi em frente ao Hotel Vitória e no alto da Rua Francisco Salles, na parada de ônibus próxima à padaria Indaiá):



Esta é a vista aérea da cidade em 2009. A câmera está voltada para o sul . A faixa triangular coberta de árvores no centro da imagem é a Praça Dr. Augusto Silva [Felipe, Wikimedia Commons; Lavras]:



O sistema de bondes de Lavras operou os mesmos carros eléticos por meio século e foi um dos últimos bondes a existir no Brasil. Mesmo assim, até onde o autor sabe, a linha era desconhecida da maioria dos entusiastas deste transporte que vinham da América do Norte e da Europa. Ninguém deles descobriu a linha de bondes elétricos que operou entre 1930 e 1950 em Bom Sucesso, uma cidade a cerca de 50 km ao nordeste de Lavras [cf. pp. 84-87 de The Tramways of Brazil].

Os trilhos da Rede Mineira de Viação ("RMV"), que foram eletrificados de Ribeirão Vermelho através de Lavras até o Estado do Rio de Janeiro, carregaram passageiros até o início da década de 1980. As locomotivas Diesel ainda puxam trens de carga atualmente. A ferrovia de bitola 762 mm de São João del-Rei a Tiradentes, cerca de 100 km ao leste de Lavras, ainda opera locomotivas a vapor que atraem entusiastas de ferrovias através do mundo.

Bibliografia

"Bonds." Folha de Lavras (Lavras), 23/1/1910, p. 1. Peças do bonde encomendadas da Alemanha.

O Incentivo (Lavras), 6/2/1910, p. 1; 16/2/1911, p. 1. Jornal defende a construção de bondes.

"Novos Bonds para Lavras." Folha de São Paulo (SP), 28/7/1963. Artigo ilustrado sobre os bondes de Belo Horizonte enviados para Lavras.

Rede Mineira de Viação. Contrato Celebrado Entre a Rede Mineira de Viação e a Prefeitura Municipal. Lavras, 1931.

Lavras. Mapa das ruas da cidade, escala 1:10,000, 1939. Mostra as ferrovias, mas não os bondes. 

"Wagenbauanstalt Falkenried" in Der Stadtverkehr (Brackwede), no. 5/6, 1976, pp. 184-185. Um artigo sobre a construtora de bondes de Hamburgo; inclui imagem do modelo que foi construído para Lavras.

Paulo C. Pomarico. Projeto de Linha de Bonde entre a Estação e a Cidade de Lavras, 23/10/1979. Large copy (1.45 m) of 1910 plan at scale 1:2,000.

Ralph Mennucci Giesbrecht. Estações Ferroviárias do Brasil. Página de Lavras desta pesquisa monumental descreve a história ferroviária e mostra imagens de suas estações.

Lavras Antiga. YouTube video (7:37). Algumas imagens de bondes deste filme de 1947.

Jornal de Lavras. Fotos antigas de Lavras. Em 20 de Julho de 2011, para celebrar o aniversário da cidade, o jornal publicou 97 imagens antigas, muitas de bondes. O jornal gentilmente enviou muitas delas para reprodução nesta página.

Eduardo Cicarelli. História de Lavras: Centenário do Bonde. Breve história dos bondes publicada em seu centenário, 21 de Outubro de 2011.

Em adição aos trabalhos acima, o autor agradece a contribuição dos seguintes por suas valiosas contribuições a esta página: Pedro Américo de Souza do Rio de Janeiro; Wanderley Duck de São Paulo; Ricardo Resende Coimbra de Lavras; Prefeitura de Lavras; Ângelo Alberto de Moura Delphim do Museu de Lavras, agora Museu Bi Moreira; Eduardo Cicarelli do Jornal de Lavras; e Dr. V. Weiher do Siemens-Museum em München.

4 comentários:

  1. - É UMA PENA , O PROGESSO ENGOLE TODA UMA ÉPOCA GOSTOSA E ROMÂNTICA , EM PRÓL DE UMA GANÂNCIA DESMEDIDA !

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  2. Duas observações. Os bondes não contornavam a praça da estação, e sua " gare", até onde conheço era ao lado de cima de onde hoje é o INSS, na rua Francisco Salles. Pode ser que antes fosse na rua Dr. Álvaro Botelho. Linda história para nossa recordação, apesar de não ter utilizado dos mesmos, mas os vias em seu trajetos.

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    1. Com efeito, a gare dos bondes ficava no local que vc indicou. É tb fato que não faziam contorno na Praça da Estação. Nem trilhos havia para tanto. O encosto dos bancos era virado e o condutor passava para a cabine de comando da outra ponta.

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